Flamenco: o grito que virou dança
21/04/2025
Há danças que encantam. Outras que seduzem. E há o flamenco — que enfrenta.
Não se trata apenas de técnica ou tradição. O flamenco carrega uma força visceral que não pode ser suavizada. Ele não se oferece ao olhar do outro com docilidade. Ele se impõe, com toda a intensidade de quem dança com os pés fincados na terra e a alma exposta.
O que se vê numa apresentação de flamenco não é apenas forma. É memória, identidade, resistência.
Sua origem está ligada à história do povo cigano na Andaluzia, atravessado por séculos de marginalização e exclusão. Nesse contexto, o flamenco surgiu como linguagem de expressão e também de sobrevivência. Cada palma, cada sapateado, cada quejío (aquele grito rasgado do canto flamenco) é carregado de uma verdade que não se esconde.
É uma dança que transpira emoção bruta. Não se preocupa em ser “agradável”. Não busca agradar plateias nem seguir tendências. Ela tem uma ética própria: a da entrega completa. Do corpo que vibra e tensiona, dos ombros que resistem, do olhar que fere e cura ao mesmo tempo.
O corpo flamenco é um corpo que fala alto. Que protesta. Que celebra a vida com a mesma intensidade com que reconhece a dor. Não é à toa que muitos intérpretes falam em “duende” — uma espécie de força inexplicável que toma o dançarino e o faz transcender a técnica. Quando isso acontece, o flamenco deixa de ser performance e vira experiência. Para quem dança. E para quem assiste.
É curioso como, mesmo atravessando séculos, o flamenco se mantém atual. Porque ele toca algo essencial: a necessidade de sermos ouvidos, mesmo que pela sola dos pés. A necessidade de ocupar o próprio espaço, sem concessões.
Dançar flamenco, portanto, é mais do que interpretar uma coreografia. É assumir um lugar no mundo. É dizer: eu estou aqui, com tudo o que sou. E isso basta.